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Umbigo: o nosso e o dos outros

Disclaimer: este é um texto de opinião apenas vagamente inspirado em uma matéria que eu não li, então please não leia o que escrevi achando que tenho mil dedos pra cima da matéria. O que li sobre a matéria me fez pensar o que segue abaixo… (:

Eu não li a matéria da Época ainda, então nem posso falar muito, mas vou mas me chamou atenção a capa e o resumo que li no site (tá aqui, ó). Eu tenho reações conflitantes em relação ao tema. A impressão que fiquei foi de um certo “mimimi”, sabe? Meu, nada na vida é fácil, por que a maternidade/paternidade seria? Talvez seja tão difícil para algumas pessoas que elas acham que têm que dar uma floreada por uma questão de instinto. Explico: talvez elas achem que se as pessoas souberem da verdade, sobre como é complexa a logística com um bebê, ninguém mais vai querer ter filhos no mundo, então elas floreiam para garantir a continuidade da espécie. Eu tive meus momentos difíceis e tenho ainda, mas acho que eles estão muito mais baseados em um egoísmo bem característico da sociedade contemporânea do que em qualquer outra coisa. Tem uma palavra em inglês que eu gosto muito: selfless. Traduzindo literalmente significa “abnegado”, ou seja, altruísta, que se sacrifica. Mas em inglês ela tem um tchãn, né? Self-less… sem o self. Estamos muito centrados no nosso próprio umbigo, e um filho tira o foco de nós mesmos, nos faz perceber as necessidades do outro. Sim, me falta tempo e energia para fazer um milhão de coisas minhas, mas é por um tempo tão curto. Em poucos anos a Alis estará na escolinha pela manhã, na aula de inglês e vôlei à tarde, na casa da amiga no fim de semana e eu vou ter tempo. Esse “I, Me, Mine” da atualidade é tão cansativo. O discurso do “você merece”, “você pode se lutar muito”, “só depende de você”, pra mim, é história pra boi dormir. Claro que tudo depende de você, mas também depende de milhares de outros fatores externos a você. Você se esforça, luta pra caramba pra conseguir alguma coisa e às vezes não consegue. Paciência, talvez fosse melhor não conseguir mesmo, vai saber. Mas esse discurso é o que me incomoda na mensagem da capa da Época (repito: este texto não é sobre a Época, e sim sobre o mimimi da nossa época). Sim, a maternidade e paternidade é um período de selflessness, e daí saem grandiosas lições. O que a gente quer (tempo, liberdade, rios de dinheiro, um relacionamento perfeito – e, aliás, nenhum relacionamento é perfeito antes de se ter filhos, então os filhos não “atrapalham” nesse sentido, como sugere o resumo que li da matéria, é só que os problemas mudam de nome) nem sempre é o que a gente precisa. Às vezes o que precisamos é justamente o oposto do que queremos.

Exercitando meu poder de altruísmo com essa fofolete…

Mas eu disse que o tema da matéria despertou em mim sentimentos conflitantes, né? Bom, eu acho que ser honesto em relação aos seus sentimentos é fe-no-me-nal, mas determinados filtros públicos não fazem mal a ninguém. Talvez as pessoas não falem 100% da verdade em relação ao que sentem porque têm certa noção de que muitos sentimentos têm como base emoções não muito lisonjeiras, como egoísmo* (que me parece a base do mimimi da matéria), inveja, ciúmes. Talvez o excesso de censura faça mal, então com certeza abrir os arquivos-X da maternidade será muito positivo, mas penso que o mimimi têm que ficar bem distante da discussão quando a ideia for levar a conversa para um nível respeitável. Acredito que todos passam pelo estágio do “mimimi”, mas é um estágio inicial e passageiro (ou deveria ser?). Depois da autoanálise, do filtro pós-mimimi, acho que a conversa pode ser levada a outro patamar. Eu mesma já estive/estou neste lugar de reclamação egóica do tipo “eu não tenho tempo pra fazer X, Y, Z, o que aconteceu comigo?”, mas essa fase está ficando para trás e está dando lugar à paciência. Dá trabalho ser mãe, ser pai, assim como dá um trabalho do cão ser profissional, ser esposa, ser amiga, ter um hobby, um esporte, uma meta. A conversa sobre a realidade da maternidade é um serviço para a humanidade, porque com a família nuclear estamos perdendo o contato com a criação dos filhos dos outros, então quando embarcamos nessa (assim que saímos da maternidade) a surpresa (e choque) é grande. Não temos experiência prévia, mas temos, e de sobra, um retrato que a mídia pinta de como é lindo e fácil e glorioso ter filhos. E sim, é punk, mas também é pretty AWESOME.

* IMPORTANTE: Mas assim… eu compreendo a sensação de egoísmo na maternidade não como uma coisa negativa, e sim como uma despedida de si mesma. É um adeus à sua rotina como “não-mãe”, um adeus à sua liberdade de ir e vir, e todo adeus é cheio de dor e saudades. Em vez de encarar a nova fase como uma perda enorme, talvez seja mais positivo usar essa mudança toda como uma alavanca para uma postura mais legal e mais “selfless” em relação ao mundo. Não apenas em relação a você e seu filho ou filha, mas em relação ao seu amigo, vizinho, desconhecido que passa na sua frente na rua. Um pouquinho de selflessness não faz mal a ninguém e a nossa sociedade se beneficiaria muito de uma mudança nessa direção.

PS: E a chamada de capa da Época me intriga: “As crianças deveriam tornar a vida dos casais mais feliz. Por que nem sempre é assim?”. Por que uma criança deveria tornar a vida de dois adultos mais feliz? Os adultos, que têm plena capacidade de raciocínio lógico, é que deveriam parar de trabalhar com a fantasia de uma vida fácil e cheia de musiquinhas do filme Noviça Rebelde (que, btw, se passava durante a II Guerra Mundial). Trabalhar com a realidade também é uma forma de encontrar a felicidade, não é?

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